José Luis García-López a glória e o esplendor
Nenhum outro desenhista captou a glória e o esplendor de ser um super-herói como fez José Luis García-López.
O poder e a imponência sem esforço, o olhar sempre cheio de boa vontade, a beleza suave e quase indiferente, própria dos legítimos deuses. Seus rostos dizem que salvar o mundo é um prazer – você não precisa nem agradecer. Eles invocam a inocência da era de ouro, inspiram autoconfiança, serenidade e elegância acima de tudo, e são a representação ideal da nossa mais doce utopia: um ser humano belo, justo e perfeito, melhor do que todos nós. O verdadeiro super-herói afinal, em toda sua glória e esplendor.
Convidado internacional da ComicCON RS 2017 – a maior convenção de quadrinhos e cultura pop do Rio Grande do Sul –, García-López é considerado pelo público e por seus próprios pares um dos maiores mestres da indústria dos quadrinhos. O artista espanhol redefiniu a figura dos super-heróis no imaginário popular ao elaborar o Guia de Estilo da DC Comics, servindo de referência para as gerações que vieram depois. Sua arte inconfundível se espalhou pelo mundo em camisetas, cadernos e toda sorte de produtos licenciados da editora, o que ajudou a popularizar de vez personagens como Batman, Super-Homem e Mulher-Maravilha. E hoje, assim como eles, ele é uma lenda.
Símbolo americano, sotaque espanhol
Mas como surge uma lenda? Da mesma forma que seus desenhos, García-López sempre soa leve e despretensioso, e faz tudo parecer muito simples. Quando descreve sua vida gosta de repetir que teve sorte, e que não sabe bem por que o escolheram para a missão de produzir as versões definitivas dos mais icônicos super-heróis de todos os tempos – como se até hoje não se desse conta do tamanho de suas habilidades.
E não pense que aos 68 anos aceita fácil o título de lenda viva. “Nunca prestei muita atenção à projeção do que eu estava fazendo. Só nos últimos anos, graças às redes sociais, é que entendi que tinha fãs. Não costumo pensar sobre isso, eu apenas faço meu trabalho, algo que gosto e que tento fazer tão bem quanto posso”. Mas os fãs o consideram uma entidade suprema a ser reverenciada, e costumam se referir a ele com a benção louvado seja seu nome. “Francamente, deve ser uma piada, imagino que seja só uma brincadeira”, minimiza o artista em uma entrevista à revista Época em 2014, quando esteve no Brasil para a CCXP.
É curioso pensar que um dos responsáveis por ajudar a imortalizar esses símbolos norte-americanos tão fortes dentro da cultura pop seja um “imigrante”, como seu nome tipicamente latino denuncia. Nascido em Pontevedra, na Espanha, cresceu na Argentina e lá iniciou sua paixão pelos quadrinhos, admirando artistas nacionais como José Luis Salinas e Alberto Breccia, mas já ligado nos gibis de super-heróis que chegavam dos Estados Unidos.
Fã de Batman, aos 14 anos começou a publicar os primeiros trabalhos apresentando seus esboços em todas as empresas de Buenos Aires, até chegar à importante editora Columba e começar a mandar ilustrações para um agente de Connecticut, sua ponte inicial com a América.
Em 1974, com 20 e poucos anos, foi para Nova York em busca do sonho americano levando apenas a sorte e o endereço da DC Comics no bolso. “Mas eu não consegui encontrar o prédio. Me disseram que eles tinham se mudado para o Rockfeller Center e eu não sabia que se tratava de um complexo de muitos edifícios”, conta o desenhista.
Com a ajuda do artista e seu conterrâneo Luis Dominguez, percorreu o roteiro das editoras e logo de cara conseguiu um trabalho na Western Publishing Company e também a oportunidade de colorizar uma história do Super-Homem para a DC. E assim seu destino foi traçado quase que por acaso, pela ordem do mapa. “Por fim, ele me levou até a Marvel e perguntou se eu queria uma indicação para trabalhar ali. Eu recusei: já tinha muito trabalho a fazer”.
O cânone da DC Comics
José Luis García-López não precisou de muitos anos na indústria norte-americana para impressionar os altos escalões da DC. Até o começo dos anos 1980, já havia atuado em títulos clássicos como Action Comics e Detective Comics, passou por outros como Jonah Hex e Hercules Unbound e fez especiais marcantes como Superman vs. Wonder Woman e a edição de Batman vs. Hulk no famoso crossover com a Marvel. Não importava qual fosse a missão, ele dava conta com desenhos limpos e cheios de classe, proporções impecáveis e muito carisma.
Talvez tenha sido justamente por isso que, sem aviso, em 1982 foi escolhido pelo editor Joe Orlando para elaborar o Guia de Estilo da DC Comics, algo que de simples manual interno tornou-se com o tempo um verdadeiro cânone, o catecismo de todos os desenhistas que vieram depois. O significado disso era enorme: García-López imortalizaria a versão ideal de alguns dos personagens mais populares da história, os super-heróis da editora das lendas como eles foram feitos para ser e poderiam seguir sendo por toda a eternidade.
O feito significou um marco em sua carreira e na própria dinâmica da editora, reconhecidamente uma das empresas a melhor explorar os quadrinhos em outras áreas, como a televisão, o cinema, a animação, a publicidade e o mercado em geral, com produtos licenciados que hoje dominam desde os ambientes especializados até as lojas de departamentos.
E foi com o traço dele que a DC escolheu popularizar sua marca ao redor do mundo e ao alcance dos fãs. “O resultado é que vejo meu trabalho por todo lado. Quando vou ao supermercado, quando entro em uma loja. Meus desenhos estão nas lancheiras, em caixas, camisetas, nem sei mais. Os desenhos daquele guia de 1982 continuam a ser usados, acho que é porque chegamos a um design muito leve, muito alegre, até o Batman aparece sorrindo!”, brinca o artista.
O homem e a lenda na ComicCON RS
De lá pra cá García-López assinou diversos trabalhos aclamados, como Novos Titãs, Atari Force, Cinder e Ashe, Estrada para a Perdição e Twilight, além de uma série de atuações esporádicas em títulos de quase todos os personagens da DC Comics. E ainda que afirme que o primeiro guia de estilo foi aquele em que teve maior liberdade para fazer o que gostaria, produziu diversas atualizações e novas versões do manual ao longo dos anos, até hoje a sua realização mais marcante.
Mas o incrível sobre García-López é que ele é muito mais do que apenas um artista de ‘poses’. Suas figuras têm sempre uma sensação de dinâmica, e mesmo quando ele desenha um simples movimento de virada, parece menos com um documento de referência e mais como se o próprio Super-Homem tivesse feito uma pausa ali para ter sua foto registrada antes de correr para ir salvar o mundo novamente, define de forma certeira Chris Sims, do site Comics Alliance.
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Além desse talento incomparável, não há uma menção a García-López que não venha acompanhada de elogios à sua personalidade. Humilde e atencioso, sempre disposto a conversar e deixar que os fãs testemunhem com seus próprios olhos a forma como materializa os heróis no papel, nos últimos anos o mestre veio ao país três vezes para participações na CCXP e demonstrou incrível sintonia com os brasileiros.
A ComicCON RS trouxe o artista pela primeira vez ao Rio Grande do Sul, entre os dias 5 e 6 de agosto, para entrevistas, debates, presença no artists alley e sessões de autógrafos, proporcionando ao público essa imperdível chance de conhecer o homem e a lenda.